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Trabalho remoto e a COVID-19: o coliseu moderno.

Trabalho remoto e a COVID-19: o coliseu moderno.

26 de fevereiro de 2021

Tempo de Leitura: 6 minutos

“(…) somos todos gladiadores em um certo grau, não importa se queremos ou não. E não é algo ruim. É apenas o reconhecimento de que vivemos num mundo competitivo e devemos ser bem preparados para isso. Gladiadores antigos sobreviviam quando eram bem treinados, disciplinados e motivados. O mesmo vale para hoje.”

(Hyrum H. Smith, autor do livro “O Gladiador Moderno”)

*Por Wady Cury

“Que comecem as batalhas.” Assim os imperadores anunciavam os espetáculos no coliseu de Roma, um dos palcos mais famosos do mundo antigo, reservado para provas sangrentas entre gladiadores ou entre guerreiros e animais selvagens. Mas se os jogos de gosto duvidoso foram interrompidos naquele cenário no século 5, nossos combates modernos encontram similaridade na estrutura dessas apresentações da antiguidade.

 O mundo se transformou em um grande coliseu. No lugar dos césares temos a sociedade que nos observa pelo telescópio das redes sociais, com suas regras e condutas e, por ironia, utilizam os mesmos sinais que os antecessores quando designavam o destino dos gladiadores do século 2: like ou dislike. Agora, no século 21, profissionais e corporações seguem lutando pela sobrevivência entre sistemas político-econômicos que beiram o caos e, sem a aprovação desses imperadores/seguidores para suas performances pessoais, corporativas e políticas, tombamos na arena.

E lá estávamos nós em cena aberta. Seguíamos suando a armadura para assimilar as transformações nas relações comerciais e pessoais, nos vangloriando enquanto pessoas físicas e jurídicas de fazer o melhor uso da ciência para otimizar nossos processos, mas sem largar as rédeas dos afoitos cavalos atados à biga da tecnologia para que esses indóceis não fossem assim tão rápido a ponto de perdermos o controle. Sim, habemus soluções para ir além, mas pra quê a pressa?

A transformação do cenário e adequação ao trabalho remoto

Tudo parou por conta do dito cujo. Foi a vez do coronavírus chegar esbravejando “que comecem as batalhas” e startar uma verdadeira revolução, não apenas científica, mas cultural e de costumes. Vocês se achavam moderninhos? Muito bem. Agora vão precisar tirar a tecnologia da gaveta e fazer uso dela, sem direito a voto.

Querem um exemplo? Sua empresa era resistente a adotar o home office porque aplaudia a transformação digital, mas tinha receio da transformação cultural que isso acarretaria.  Ou seu líder se ressentia com a perda de controle sobre as atividades de seus subordinados. Fosse qual fosse a ressalva, custava cortar o cordão umbilical que ligava funcionários e corporação entre 9 e 19h. Mas aí chegou o vírus, sentou-se na cabeceira da mesa da sala de reunião e deu por encerrada a sessão e também os procedimentos simbióticos corporativos, que se retroalimentavam sem serem questionados.

Aquele trabalho feito em sua baia, depois de você ter poluído as ruas com sua condução, usufruído dos vultosos investimentos em infraestrutura e energia elétrica para chegar até o 15º andar daquele prédio espelhado, passado na copa e tomado café agora é feito de meias de dentro de casa, com criança chorando, cachorro latindo e toda sorte de sons que vazam em sua live com o time. Live, inclusive, que começa pontualmente às 9 e termina às 9h30, sem muita chance para papos de bastidor, mas com respeito ao seu tempo e ao tempo dos outros. Porque tempo não é dinheiro. Tempo é vida. E em breve, vamos experimentar uma nova ordem social, cultural e política que nos fará usar nosso tempo para debater ideias e não para deslocamentos aleatórios.

Trabalho é o que se faz e não onde se faz. A eficiência não mora em endereço comercial, mas nos resultados e nos profissionais eleitos para desempenhar aquela função com responsabilidade. Mas essa era uma verdade que, de maneira geral, o corporativismo se recusava a ouvir. Porém agora é mandatário repensar as relações, pois a nova ordem imperativa é a confiança, a responsabilidade e a espontaneidade.

O efeito rebote da pandemia é justamente essa quebra de paradigma, essa ruptura com os organogramas. Porque não há nada mais limitante do que as caixinhas dos organogramas. E a nova realidade horizontaliza até os próprios mapas de cargos, imputando um desafio pessoal e intransferível a cada colaborador, que agora poderá fazer jus ao sentido lato do termo colaborador. E esse é só o começo da história, que vai transformar o mundo corporativo em um mundo com corpo e alma, um mundo corporalmativo.

Estamos reaprendendo a andar, mas partindo do zero e já correndo atrás do prejuízo. As experiências passadas não vão gerir nosso futuro porque não se constrói o futuro com a mente do e no presente e muito menos com ideias do passado. Mas esse ensaio, sem precedentes para nossa geração, afetará mais do que a ciência e a economia: afetará nossa essência.

Se o saldo será positivo? Antes de pensarmos se é positivo ou negativo, temos que entender que é inevitável. Mesmo passados mais de 30 anos de sua morte, o escritor norte americano Joseph Campbell disse uma frase que cai como uma luva para o momento: “a gente precisa se dispor a abrir mão da vida que planejamos a fim de encontrar a vida que espera por nós.”

*Wady Cury, engenheiro e securitário por mais de 39 anos e atualmente diretor técnico da Sancor Seguros Brasil.


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