O que esperar da COP28?
17 de novembro de 2023
Tempo de Leitura: 12 minutos
Mesmo com a cidade-sede polêmica frente à opinião pública, o maior encontro global contra a emergência climática vem cheio de promessas fortes — as maiores, com participação direta do Brasil.
O que é COP?
COP é a sigla em inglês para Conference of the Parties — Conferência das Partes. As Partes são 199 Estados (países e territórios, como a União Europeia) que participaram do acordo climático da ONU, em 1992, no Brasil (veja mais abaixo), e formaram a Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, UNFCCC na sigla em inglês.
Na COP, as Partes constroem instrumentos jurídicos, firmam acordos institucionais e administrativos, e tomam decisões a fim de fomentar a implementação eficaz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Convenção da ONU. Também avaliam os efeitos das medidas implementadas no combate à emergência climática. E trazem cobranças — inclusive, financeiras (veja mais abaixo).
Ao longo das 27 edições já realizadas, houve avanços. Mas a efetividade ainda é tímida frente aos desafios.
A controvérsia da COP28 em Dubai
Um dos pontos mais comentados sobre a próxima COP28, que acontece entre 30 de novembro a 12 de dezembro, tem sido a sede: Dubai fica nos Emirados Árabes Unidos, que são a sétima maior nação produtora de óleo do mundo e a terceira na lista da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).
Além disso, o presidente das negociações da COP28, nomeado pelo governo que sedia o evento, é o CEO da Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi, Sultan Al Jaber. A escolha levanta desconfiança em relação aos acordos necessários, visto que eles passam, invariavelmente, pela redução de investimentos e regalias às empresas de petróleo, gás natural e carvão mineral.
No ano passado, o lobby do setor derrubou pontos relevantes do acordo final da COP27, no Egito. O grupo de representantes dessa indústria — a mais poluente do mundo — foi representativo: 636 lobistas cadastrados, 25% a mais do que na COP26. E isso levou a uma frustração amplamente comentada.
No fechamento da COP27, os lobistas conseguiram retirar os pontos cruciais que limitavam a atuação do setor de petróleo e gás. A única menção no acordo final foi “acelerar os esforços para a eliminação progressiva da energia ininterrupta a carvão e a eliminação progressiva dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis”.
Fundo de compensação: desafio aumenta na COP28
Apesar disso, foi dado um passo relevante na COP27, que, espera-se, seja ampliado este ano.
Na prorrogação das negociações no Egito, as nações chegaram a um consenso histórico: a criação do fundo de compensação por perdas e danos. Ele prevê que os países mais vulneráveis às mudanças climáticas recebam aportes financeiros robustos dos mais ricos.
Saiba mais: como o mercado financeiro consolidou a pauta ambiental nas tomadas de decisão. E-book Tecnologias a serviço do agronegócio na era da emergência climática.
O valor acordado é de US$ 100 bilhões ao ano, até 2025, que deveriam ser pagos pelos países ricos, para compensar ou indenizar (por suas atividades mais agressivas ao aquecimento global) os países em desenvolvimento, que sofrem mais danos humanos e materiais com o aquecimento global. Mas o repasse ainda está na promessa — que se arrasta desde a COP15, em 2009. Ainda não há consenso sobre os valores do fundo, e como ele será implementado.
Isso ficou para a COP deste ano. Entretanto, ela ocorre em meio a um contexto global mais desafiador, de guerra entre Israel e Hamas, que enfraquece a priorização da pauta ambiental, além da persistente guerra entre Rússia e Ucrânia, que já incorre em retrocessos. “No caso do Oriente Médio, [o conflito] torna pouco provável qualquer pressão sobre os produtores de petróleo para reduzir a produção. Ao contrário, fará com que americanos e europeus gestionem em favor do aumento da produção para evitar aumento inflacionário de preços”, analisa o diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, em reportagem da Folha de S.Paulo.
Já o conflito na Ucrânia impacta o fornecimento de petróleo e gás, e leva a discussão global a retrair a pauta da transição energética para segurança energética. “Atingir a segurança energética, em princípio e no curto prazo, é mais fácil retomando o uso do carbono e aumentando a exploração de petróleo. É isso que está acontecendo no mundo”, pontua Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da USP à Folha.
Com isso, fica ainda mais difícil garantir a execução do fundo. E mais: especialistas da ONU avaliam que, até 2030, o montante de financiamento climático — que prevê não apenas dinheiro, mas transferência de tecnologia das nações ricas às mais vulneráveis — deveria chegar a US$ 2 trilhões, para alcançarmos a chamada justiça climática em nível global.
Porém, é consenso: com as duas guerras correntes, o foco do dinheiro de nações como EUA, Rússia e as ricas do Oriente Médio, deve tangenciar a causa ambiental.
O Brasil na COP
Nosso país foi o berço da COP. Isso porque a Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (cujas “reuniões” são as COPs) foi instituída em 1992, no Rio de Janeiro, na ECO-92 — Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Todos os anos, o Brasil é uma das partes mais requisitadas nas mesas de negociação. O porquê é um tanto óbvio — temos a segunda maior área florestal do mundo (perdemos para a Rússia — e podemos perder para o Canadá, que está encostado, em 3º lugar no ranking, se não cuidarmos da Amazônia e dos outros biomas já tão devastados).
Além disso, somos o país com a maior biodiversidade do mundo. Temos um grande potencial no mercado de carbono e somos uma das promessas globais para liderar a transição energética global (substituição da dependência de combustíveis fósseis por matriz renovável).
Este ano, o Brasil deve ter a maior delegação da sua história em COPs, cerca de 1,6 mil pessoas — que também promete ser a maior do encontro. No ano passado, o time brasileiro foi o segundo maior, com cerca de 500 pessoas. Mais de 100 eventos estão previstos no pavilhão brasileiro em Dubai.
“Chegaremos à COP com uma megadelegação e com liderança, seja na área de energia, agricultura e no próprio combate ao desmatamento”, disse o embaixador André Aranha Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores.
Temas relevantes para o Brasil na COP28
Fundo de compensação e financiamento climático
Como falamos acima, o fundo de compensação por perdas e danos beneficia países em desenvolvimento — no caso, o Brasil. Mas ele ainda é só uma promessa e a delegação brasileira tem essa como uma das prioridades nas negociações.
Mercado de carbono
A COP do ano passado alcançou camadas importantes de discussão, como padrões MRV (mensurar, reportar e verificar) e dinâmicas que agreguem o mercado voluntário e o mercado regulado. Mas uma unicidade global no tema ainda é distante.
Para entrar melhor na pauta, o Brasil precisa regular o mercado de carbono interno, a fim de reduzir a vulnerabilidade do setor produtivo a mecanismos internacionais, que trazem diversas exigências, como reportes estruturados das emissões no país.
Nesse sentido, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei (PL) 412/2022, que busca atender a essa urgência — acentuada pelo Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), mecanismo de ajuste recentemente implementado na União Europeia. O CBAM deve impactar as exportações de países que não têm um mercado regulado de carbono. Os setores mais afetados são agricultura, energia, ferro e aço.
“O CBAM pode ter um impacto negativo de até US$ 444,3 milhões na economia brasileira por meio de restrições e tributações nas exportações de produtos intensivos em consumo de energia”, destaca o Valor Econômico.
Em Brasília, a tentativa é chegar à COP com o PL redondo “embaixo do braço”. Um avanço no campo legislativo que a comitiva brasileira desfilaria em Dubai.
Sistemas agroalimentares
A produção de alimentos global tem sido alvo de cobranças para mitigar impactos. A adaptação do uso da terra é uma delas, e a COP28 deve tentar criar metas globais para tal. A agropecuária, nesse caso, é o principal agente.
”Temos de estar atentos para a crescente impressão de que a transição energética (até recentemente o foco central das COPs) vai demorar mais tempo do que se previa. Isso pode empurrar o debate para mudanças do uso da terra, mais rápido e mais barato. Seria um erro e poderia aprofundar a divisão de trabalho entre países ricos e pobres”, escreveu Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da FGV no Estadão.
Conclusão
Tivemos um ano cravejado de eventos climáticos extremos, que devastaram grandes áreas, como o furacão em Acapulco, as inundações na Líbia, os incêndios florestais na Grécia. No Brasil, as enchentes históricas no Sul, a seca sem precedentes na Amazônia, e o recente apagão de 120 horas em São Paulo decorrido de temporais. Claro, temos o El Niño em ação, mas os cientistas do clima são enfáticos: o aquecimento global foi o grande responsável pela magnitude dos episódios.
“O que capturamos pelas observações foi um aumento de cerca de 5°C na temperatura para esse evento [a onda de calor no fim do inverno na América do Sul], para a qual o El Niño teria contribuído 0,5°C”, revelou a coordenadora do estudo do World Weather Attribution, Sara Kew, cientista do Instituto Real de Meteorologia da Holanda, em reportagem do Globo.
Este ano, batemos o recorde de temperatura global para o mês de setembro. E de janeiro a setembro, a temperatura média mundial ficou 1,4°C acima da média pré-industrial (1850 a 1900) — um pico histórico.
Ainda na COP de 2015, em Paris, os países se comprometeram a limitar essa elevação a 1,5°C. Mas temos fatos — cada vez mais letais — de que as estratégias de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) estão ineficazes. O planeta tende a chegar a 2,7°C de elevação em 2100 — cenário que será catastrófico, como o IPCC tem alertado.
Combustíveis fósseis estão na mira. Precisam ser eliminados. Porém, como vimos acima, pouco se deve avançar nesse sentido dado o contexto geopolítico atual. Por isso, a cobrança tende a pesar sobre outros setores, como a agricultura. E o Brasil tem alta capacidade de atender a essa demanda, com o sucesso de programas como PSA (pagamento por serviços ambientais) e SBN (soluções baseadas na natureza).
De acordo com o Sistema de Estimativa de Emissão de Gases Estuda, o setor agropecuário brasileiro responde por 75% das emissões do país — pelas atividades em si e também pelo eventual desmatamento decorrente delas. A Embrapa aponta que a área de pastagem total no país é de 159 milhões de hectares, sendo que 66 milhões estão em estado de degradação intermediária, e 35 milhões, em degradação severa.
A Berkeley Earth, organização sem fins lucrativos que compila dados sobre o clima, aponta que o Brasil já aqueceu 1,6ºC e, até 2100, o aumento deve chegar a 3,9ºC. Mesmo chegando a net zero — como mostra a linha verde do gráfico abaixo — devemos passar dos 2,5ºC de aumento em 70 anos.
Aumento médio anual da temperatura no Brasil, considerando 3 cenários: aumento das emissões globais; estabilização e declínio lento das emissões; e declínio rápido até zero emissões. Nenhum deles freia o aquecimento global, mas a linha verde é o cenário a ser buscado para mitigar os impactos.
Fonte do gráfico: reprodução Berkeley Earth
Os produtos brasileiros já enfrentam limitações no mercado internacional por descompassos na demanda global de sustentabilidade e rastreamento da cadeia produtiva. E isso só tende a aumentar.
Semana passada, EUA e China, os maiores emissores de GEE do mundo, anunciaram um acordo de cooperação contra a crise climática, com 25 pontos. Um deles, prevê ampliação de esforços para frear a perda de florestas no planeta, com maior efetividade na proibição de importação de produtos ilegais – ou seja, advindos de territórios desmatados.
Mesmo aqui dentro do país, o consumo já é impactado por esse viés — jovens entre 15 e 18 anos, por exemplo, “preferem não comprar de marcas que não respeitam a diversidade ou o meio ambiente”, apontou relatório recente da Nice House que ouviu a geração Z em todas regiões do Brasil.
Atacar a emergência climática nem precisaria de tantos argumentos. Quem sabe a ida do Papa Francisco a COP28 — a primeira presença de um pontífice na Conferência desde 1995 — ajude a apaziguar interesses conflituosos que, historicamente, travam as mudanças necessárias. E, cada vez mais, inadiáveis.
Leia mais: como a emergência climática afeta o agro — e as tecnologias que impulsionam avanços